Essa semana iremos tratar de um tópico imprescindível para a acessibilidade: as calçadas!!!
Segue o artigo da semana para vocês:
"O programa Asfalto Novo reflete o velho modelo rodoviarista ainda vigente no Distrito Federal. Caracterizado pela priorização do automóvel, o rodoviarismo foi abandonado há algumas décadas em cidades exemplares em mobilidade saudável. As cidades verdadeiramente modernas vêm restringindo o espaço dos carros e destinando-o para a circulação a pé e por bicicleta. Saem estacionamentos e viadutos, entram praças, calçadas e locais para lazer e convívio.
Anunciado
como sinônimo de qualidade de vida, ao custo de 770 milhões de reais, o Asfalto
Novo já recapeou inúmeras pistas da área central, mesmo aquelas com pavimento
em boas condições. Enquanto isso, as calçadas, quando existem, continuam em
estado de calamidade e não foram recapeadas. Para piorar, muitas calçadas e
canteiros servem de estacionamento para carros e rampas de acesso são
bloqueadas diariamente por carros estacionados.
A
propaganda governamental na EPTG ressalta a construção de ciclovias e a
qualidade de vida, em contraste com a triste realidade da via, onde a ciclovia
jamais saiu do papel e tampouco existem calçadas. Para completar o cenário na
“Linha Verde”, os ônibus ficam congestionados, enquanto muitos motoristas
invadem o corredor de ônibus e o acostamento. Ainda assim, anunciou-se mais um
projeto rodoviarista: um viaduto na entrada de Taguatinga. E a ciclovia da
EPTG, prometida há alguns anos, continua sem prazo de entrega.
Mesmo as
ciclovias construídas não significam mudança no modelo ultrapassado e apresentam
falhas graves. Descontinuidade, com término abrupto em locais com alto risco de
acidentes; falta de sinalização nos cruzamentos; falta de preferência aos
ciclistas; ziguezagues e desvios no trajeto; falta de iluminação; problemas de
drenagem; conflitos com pedestres; ausência de bicicletários. Para completar,
faltam campanhas educativas de respeito e incentivo ao uso de bicicleta e
fiscalização das reiteradas infrações motorizadas contra ciclistas, incluindo o
bloqueio das novas ciclovias.
Curioso o
fato de o governo local proclamar o Distrito Federal “referência nacional e
internacional em ciclovias”. A propaganda recente afirma que a malha
cicloviária se iguala à de Amsterdã e supera a de Copenhague. Esqueceram de
comentar sobre a cultura ciclística e a qualidade das ciclovias e ciclofaixas.
Naquelas cidades, mais de 30% dos deslocamentos para o trabalho são feitos de
bicicleta. Por aqui, apesar da ausência de dados oficiais, pode-se afirmar que
sequer chega a 0,1%. Lá, os cruzamentos são impecavelmente sinalizados e os
ciclistas contam com preferência sobre os motorizados.
E nas
capitais europeias o carro perde cada vez mais espaço, especialmente na área
central, onde são caras e escassas as vagas de estacionamento. Aqui, a lógica
ainda favorece de forma escancarada o automóvel, com vagas gratuitas em área
pública (não há estacionamento rotativo pago) e muitos estacionamentos
informais, que ocupam canteiros, calçadas e outros espaços livres. Locais
propícios ao lazer e à convivência tornam-se espaços sem vida, degradados pela
circulação de carros. Chegou-se ao cúmulo de o governo propor a criação de 10
mil vagas ao rei automóvel no coração da cidade, em plena área tombada.
Definitivamente, a proposta de estacionamento subterrâneo na Esplanada dos
Ministérios já nasce ultrapassada.
O desafio
na mobilidade urbana não se resume a obras. Mudanças culturais são
fundamentais. Infelizmente, os investimentos no transporte coletivo e no uso de
bicicleta ainda pressupõem como beneficiárias as classes desfavorecidas
economicamente. Os gestores públicos ainda não se convenceram de que metrô, ônibus
e bicicleta devem compor um sistema integrado e confiável a ser utilizado por
todos, como forma alternativa ao automóvel. Emblemático que os governantes só
usem o sistema de transporte público em inaugurações, quando os holofotes
midiáticos se acendem. No dia a dia sombrio, ficam os usuários comuns reféns
dos problemas de sempre: desconforto, insegurança e má-qualidade no serviço
prestado.
A falta
de sensibilização dos gestores públicos evidencia-se quando o próprio poder
público desrespeita o espaço destinado a pedestres e ciclistas. Veículos a
serviço do governo podem ser vistos com certa frequência sobre calçada,
ciclovia e em outros locais proibidos. Passa-se, com essa atitude, a mensagem
equivocada de que os motorizados têm prevalência sobre os que caminham e
pedalam. O código de trânsito expressa exatamente o contrário: os motorizados
devem zelar pela segurança dos não motorizados.
Sabe-se
que a solução para o caos resultante da excessiva frota automotiva – que ultrapassa
1,5 milhão no DF – passa longe dos incentivos fiscais ao setor automotivo e da
política de ampliação de vias e estacionamentos, que só contribuem para o
aumento do caos urbano, num círculo vicioso que causa danos sociais, ambientais
e econômicos. Aplicar recursos unicamente nos modos coletivos e saudáveis de
locomoção é, sem dúvida, a alternativa mais sensata e racional. Aliás, a
Política Nacional de Mobilidade Urbana, de 2012, expressa essa priorização, em
detrimento do transporte individual motorizado. Falta, como de costume, pôr em
prática, com planejamento e coerência, o que está previsto em lei
Boa leitura e ótima semana!
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