Há cerca de dois meses, fui convidada pela Prefeitura de Londres
para participar da sétima edição do evento internacional Fit Cities, cuja
proposta é discutir com profissionais de diversas áreas – arquitetos,
urbanistas, designers e profissionais de saúde pública – os meios de tornar as
cidades mais favoráveis à qualidade de vida da população.
O escopo da discussão é a criação de políticas públicas e o
planejamento de cidades, de modo que favoreçam a mobilidade urbana e a saúde
dos cidadãos. Isso porque muitos projetos arquitetônicos e urbanísticos podem
ajudar a prevenir doenças. Como?
Segundo pesquisa realizada por um grupo londrino de saúde
pública, o transporte de qualidade, aliado a boas calçadas, podem estimular as
pessoas a caminharem para seus destinos de trabalho ou educação, e assim
favorecer sua saúde. A redução de doenças do coração foi um dos maiores índices
alcançados. Mas estudos recentes já mostraram que alguns fatores de risco
ligados ao câncer podem ser prevenidos incorporando à rotina uma hora de
caminhada diária.
A União Europeia, por exemplo, tem se utilizado muito do
conceito de “Health Inequalities” (desigualdades na saúde). Isso significa que,
entre grupos, populações ou indivíduos, existem desigualdades em seu estado de
saúde que são injustas e podem ser evitadas. Essas diferenças existem por causa
de questões sociais, ambientais e econômicas, que podem ampliar o risco de
incidência de algumas doenças em populações mais vulneráveis, por falta de
ações de prevenção ou mesmo de oportunidades de acesso aos tratamentos
corretos. Ou seja, o fator de risco de determinadas patologias está no próprio
meio.
Podemos fazer um paralelo da situação das pessoas com
deficiência no Brasil, onde a carência de centros de habilitação e
reabilitação, somada à falta de planejamento urbano, fazem com que os
brasileiros com alguma deficiência tenham um quadro de saúde mais vulnerável
que o da população em geral.
Para atender bem a esse enorme contingente, que hoje corresponde
a cerca de 23% da população, é preciso investir em políticas públicas que
integrem várias áreas de interesse da população: saúde, trabalho, lazer,
educação, cultura. Todas essas políticas públicas se co-relacionam à mobilidade
urbana, se levarmos em consideração que para ter acesso a qualquer uma delas, o
cidadão precisa, no mínimo, de passeio e transporte público em boas condições
de uso. A saúde, a autonomia e a dignidade passeiam, literalmente, pelo direito
de ir e vir.
Em Londres, as calçadas são
padronizadas, planas e amplas, e contam também com extensas guias rebaixadas
que comportam duas ou mais cadeiras de rodas simultaneamente. Para os
londrinos, as calçadas são como o “centro da nossa vida diária e econômica”.
Por isso, a Prefeitura investiu nos últimos anos cerca de 250 milhões de libras
(algo em torno de 800 milhões de reais) para melhorias em 90 ruas principais e
estratégicas, além de firmar parcerias com a iniciativa privada e com o
comércio local para a revitalização de 600 ruas.
Na Câmara Federal, protocolei um projeto de Lei que altera os
dispositivos do Estatuto da Cidade, que dizem respeito às atribuições da União
no campo da política urbana. A ideia é incluir, entre as tarefas da esfera
federal, por iniciativa própria e em conjunto com os entes federados, a
melhoria dos passeios, logradouros públicos e dos equipamentos urbanos de todo
o Brasil, criando-se assim, um Plano Nacional de Calçadas.
Para se ter uma ideia, em São Paulo, capital mais importante do
País, dos mais de 30 mil km de calçadas, apenas 500 km estão em boas condições
de uso. A frota de ônibus da Prefeitura conta com aproximadamente 15.000
carros. Destes, apenas 8.500 são adaptados para pessoas com deficiência. Em
Londres, 100% da frota é acessível à diversidade humana.
Hoje, cerca de 23 milhões de brasileiros possuem mais de 65
anos, o que equivale a 10% de nossa população. O número corresponde a
toda população de Moçambique e Angola. Ou ainda, quatro vezes a população
da Croácia e duas vezes a população de Portugal.
Essas mesmas pessoas, que tanto contribuíram para a construção
das cidades, são as maiores vitimas de acidentes por quedas nas calçadas.
Aliás, queda é considerada acidente de trânsito e hoje representa 15% do total
desses incidentes. Quer prova maior de que não investir em mobilidade urbana
acarreta custos mais altos para a saúde?
Espaços bem cuidados refletem diretamente na saúde da população,
no orçamento público em geral e no cartão postal do nosso País. Esperamos que
nos próximos eventos sediados no Brasil, Londres sirva não apenas de exemplo
por ter realizado Jogos Olímpicos bem estruturados, mas inspire nossos gestores
a ter mais cuidado e respeito com as pessoas.
Por Mara Gabrilli via Blog Mobilize
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